Cem anos de arquitectura assistencial portuguesa : das velhas casas da roda aos asilos da infância desvalida

Arquitetura assistencial luso-brasileira da idade moderna à contemporaneidade : espaços, funções e protagonistas / coordenação [de] Joana Balsa de Pinho... [et al.]. - Lisboa : Theya, 2020. - ISBN 978-989-8916-98-3. - P. 51-75.

As casas da roda modernas surgem por toda a Europa no quadro do debate humanitário próprio do Iluminismo, para acolherem as crianças enjeitadas ou expostas. Em Portugal, foram criadas pela Ordem de 10 de Maio de 1783 do Intendente Geral da Polícia Pina Manique, que impôs a criação de uma casa da roda em todas as vilas e cidades do reino para nelas se exporem os enjeitados, na típica roda instalada para o efeito numa janela da respectiva casa. As casas da roda detinham uma tipologia arquitectónica própria, ao serviço da sua função específica de acolherem provisoriamente as crianças abandonadas, num tempo histórico que alcança as duas últimas décadas do século xviii e praticamente todo o século XIX. A contestação crescente ao modelo assistencial inerente à sua criação e ao seu funcionamento fez com que, pelo menos a partir de meados do século XIX, as casas da roda passassem a ser consideradas uma solução degradante e desumana para o problema das crianças abandonadas. É neste contexto que as casas da roda foram oficialmente extintas em Portugal em 1867, sendo gradualmente substituídas por modelos institucionais, organizativos e arquitectónicos modernos mais racionais, humanitários e higiénicos para o acolhimento e a criação de crianças abandonadas ou carenciadas. Assim nasceram os chamados asilos da infância desvalida, eles próprios detentores de uma tipologia arquitectónica específica, que se capta perfeitamente no monumental Asilo Distrital da Guarda (projecto de 1887), um exemplo excelente da emergência e da afirmação de uma arquitectura assistencial de cunho estatal, de grande escala e de implantação progressiva no território nacional.

Modern wheel houses (casas da roda) were created throughout Europe in the context of the humanitarian and ideological debate of the Iluminism, for receiving the foundlings or exposed children. In Portugal, these houses were created at 10 May 1783, by order of the General Police Intendant, Pina Manique, which imposed the creation of the wheel houses in all the towns and cities of the kingdom for exposing the foundlings children, in the typical wheel installed at a window of the house for the effect. The wheel houses held its own architectural typology in the service of its specific function of temporarily receiving abandoned children, in a historical time reaching the last two decades of the eighteenth century and almost throughout the nineteenth century. The growing contestations against the assistance model inherent in its creation and its function, at least since the mid-nineteenth century, made the wheel houses begin to be considered a degrading and inhumane solution to the problem of abandoned children. It is in this context that the wheel houses were officially abolished in Portugal in 1867, gradually being replaced by institutional, organizational and archite models that were more rational, humane and hygienic for the reception and the rearing of abandoned children. Thus were the asylums for the needy children created (asilos da infância desvalida), themselves holders of a specific architectural typology, which is perfectly captured in the monumental Asylum of the District of Guarda (draft in 1887), an excellent example of the emergence and the affirmation of a state assistance architecture, with large-scale and progressive implementation in the country.